quinta-feira, 8 de julho de 2010

CONTO



VENDE-SE UMA MOTOCA

Era verão. Na janela do quarto da pequena casa em cima do morro, estava Camila Oliveira, esperando seu amado pai, que, após a morte da sua mãe, nunca mais dera um sorriso. Só abria a boca para dizer boa noite à filha e para respirar ofegante após carregar sacos de cereais no armazém em que trabalhava. No Morro dos prazeres, onde morava a família oliveira, era comum o bom relacionamento entre os vizinhos, mas, após a morte da matriarca da família, houve um isolamento de seu Artur, que nunca mais foi jogar a pelada do domingo e nem participou das reuniões da comunidade.

Camila tinha três anos. Amava o período da manhã, pois era o tempo que não ia para creche e que ficava com o pai, que só trabalhava no período da tarde. Além da televisão, andar de motoca pela sala da casa e, às vezes, nas verticais ruas do morro. Aquele brinquedo era seu principal passa tempo.

Era segunda-feira. Camila se preparava para sair e andar de motoca na rua. De repente, começou uma inesperada chuva e, no mesmo instante, seu Artur, que preparava o almoço, pediu para que a filha ficasse andando no brinquedo na sala e esperasse a chuva passar. Camila gritou o pai e disse que escutou um barulho vindo do teto, mas, dando de ombros, Artur continuou a picar cebolas.

Meia hora depois, Artur acorda cheio de barro e com fortes dores nos braços, cortes pelo rosto e ouvindo gritos por toda parte. Quando olhou para o lado, percebeu o que havia ocorrido . Sua casa fora coberta por uma enxurrada de barro causada por um deslizamento de terra. Naquele momento, também percebeu que seus vizinhos estavam procurando seus parentes nos escombros e nesse momento sentiu um enorme vazio causado pela ausência da filha ao seu lado.

Levantou e começou a gritar o nome de Camila desesperadamente. Perguntou aos vizinhos e aos bombeiros, que chegaram ao momento em que ele estava desacordado. No meio da imensidão marrom, Artur viu uma mancha azul, e percebeu que se tratava do guidão da motoca da filha. Sem pensar, escalou a montanha de terra, cavou com as próprias mãos para retirar a motoca do meio da lama. Quando segurou no outro guidão da motoca, sentiu algo gelado e logo percebeu que se tratava da mão de Camila segurando fortemente aquele brinquedo que tanto amava.

Com a ajuda dos vizinhos, Artur retirou o corpo da filha e, no mesmo instante, uma onda de terror invadiu sua alma. Camila não tinha mais vida. Toda embarreada e sem nenhum hematoma, a menina jazia linda e com um leve sorriso no rosto. Seu semblante, cheio de terra, parecia o de uma obra-prima esculpida em argila. Artur, no meio do desespero, largou a motoca e levou o corpo da filha nos braços, como se a levasse para o céu, tirando-a daquele momento de dor e tristeza absoluta.

Uma semana após o enterro de Camila, seu pai se lembrou da motoca e decidiu procurá-la para ter uma lembrança da tão amada filha. Andando pelo que ainda sobrava das casas, nada encontrou. Descendo o morro desapontado, Artur olha para o lado e vê uma placa escrita: “vende-se uma motoca”. Desesperadamente, ele correu até a porta e chamou pelo responsável ao anúncio. Quando a porta se abriu, era seu velho amigo de pelada que lhe deu um forte abraço de pêsames à morte de Camila.

Após ver a motoca, Artur chorou como uma criança, e sem ter dinheiro algum, disse ao companheiro que lhe desse a motoca, em nome de sua filha. O homem, sensibilizado pelas palavras do amigo, entrega-lhe a motoca e diz que está dando-a em nome da velha amizade. Artur sobe o morro abraçado na motoca como se abraçasse a filha pela primeira vez, arrependo-se de não ter abraçado enquanto podia.
(Felipe Baldo- Extensivo Etapa- Colégio Ressurreição)

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